Evento reuniu autoridades da mais alta representatividade do Brasil no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.
O sorriso das desembargadoras Eva Evangelista e Regina Ferrari não deixa dúvidas. Estampam no rosto a renovada esperança e o contentamento pela realização do “Colóquio 15 anos da Lei Maria da Penha: Avanços e Desafios”. Mais do que isso, no entanto, fazem ecoar o mesmo tom, somado às vozes de mulheres e homens que atuam no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Mais de uma centena de pessoas compareceu ao evento promovido pela Escola do Poder Judiciário (Esjud) na sexta-feira (13), o qual reuniu magistradas e magistrados, servidoras e servidoras, membros do Ministério Público Estadual (MPAC), da Defensoria Pública do Estado, da OAB-Seccional Acre, de universidades e faculdades, integrantes da Rede de Proteção à Mulher e comunidade jurídica.
A abertura
Diretora do Órgão de Ensino, coube a Regina Ferrari proceder com a abertura da atividade. “Todas as mulheres são verdadeiras heroínas, que precisam do nosso acolhimento, da nossa proteção”, disse. “É um momento bastante relevante, um marco político e de luta simbólica, travada com dor e com sangue”, continuou a desembargadora para, em seguida, agradecer às autoridades presentes.
A desembargadora recitou o poema “Mulher da Vida”, de Cora Coralina, cujo trecho diz “mulher da Vida, minha Irmã. De todos os tempos. De todos os povos. De todas as latitudes. Ela vem do fundo imemorial das idades e carrega a carga pesada dos mais torpes sinônimos”.
“Vamos todos juntos no combate a essa causa, haja vista ser um problema social e de saúde pública, que tanto viola os direitos humanos. Afinal de contas, como bem disse o escritor Guimarães Rosa, “quem elegeu a busca não pode recusar a travessia”.
As palestras
Desembargadora do Tribunal do Trabalho da 4ª Região (TR-4), Tânia Reckziegel foi a primeira palestrante e discorreu sobre a promoção da equidade de gênero. “Temos de ocupar os espaços de poder, pois somos iguais em direitos e deveres”, afirmou.
Conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a presidente da Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis também ressaltou a importância da Resolução nº 255/2018 do CNJ, que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.
A procuradora da República da 3ª Região, Maria Ziouva, falou sobre uma série de ações do CNJ no enfrentamento da violência doméstica. Também asseverou que houve considerável aumento de casos não apenas no Brasil, mas no mundo, durante a pandemia da Covid-19. A supervisora da Política Judiciária Nacional do CNJ nessa área citou que houve a prática de 648 crimes de feminicídio durante esse período, o que equivale a três mortes por dia. E que uma mulher é estuprada no Brasil a cada oito minutos. Comemorou que já foram criadas 138 varas especializadas nessa temática no País, o que tem ajudado significativamente a aplacar a problemática social.
O conselheiro do CNJ, Marcos Vinícius Rodrigues, por outro lado, provocou uma reflexão: “no que avançamos de fato?”. Abordou a Resolução nº 254/2018, defendendo que “estamos muito bem em termos de ordenamento jurídico”. Contudo, segundo ele, muitas mulheres ainda são reféns dos seus companheiros. “Os lares que deveriam ser porto seguro, são o seu próprio calvário”, frisou. De acordo com o advogado, somente por meio da educação dos filhos, dos pais e da sociedade, será possível mudar esse cenário.
O procurador de Justiça Osvaldo D’Albuquerque considerou que após a sanção da Lei da Maria da Penha foram criadas delegacias especializadas em todo território nacional, bem como redes de proteção, acolhimento e apoio psicossocial, a exemplo do Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do MPAC. Não menos importante, o ouvidor nacional do Ministério Público destacou a criação da Ouvidoria das Mulheres no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a qual já recebeu mais de mil denúncias de todas as regiões brasileiras, em apenas um ano.
A promotora de Justiça de São Paulo, Gabriela Mansur, assinalou que o “suprassumo da Lei Maria da Penha são as medidas protetivas de urgência (MPU), porque fazem com que as mulheres de imediato tenham um amparo e, ao mesmo tempo, os homens sejam intimidados pelo dispositivo legal”. Apontou como avanços leis que foram aprovadas recentemente, como a do Feminicídio, a da Importunação Sexual, a Stalking (perseguição) e a de Violência Psicológica.
Homenagem
Gabriela Mansur homenageou todas as mulheres que estavam na atividade, em nome da desembargadora que tem o mesmo nome de sua mãe: Regina. “Foi a minha mãe quem me ensinou a nunca aceitar nenhum tipo de violência e que ninguém tem o direito de roubar os nossos sonhos. E nenhuma mulher pode deixar de fazer algo que ela queira fazer pelo fato de ela ser mulher, pois seu maior poder é ser mulher”, expressou.
Outras falas
Primeira-dama do Estado do Acre, Ana Paula Cameli narrou que sempre lutou por essa causa”. Revelou uma série de ações do Governo, a exemplo da implementação do projeto “Maria da Penha vai às escolas” e do “Maria da Penha vai às aldeias”, como também a oferta de cursos diversos para mulheres, gastronomia é um deles. Outras medidas anunciadas foram a criação de novos canais de atendimento, a campanha “Nenhuma mulher a menos” e o dispositivo Botão da Vida.
Desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Salete Sommariva alegou que a Lei trouxe vantagens, sendo a principal delas despertar o encorajamento das vítimas. “Trouxe luzes, se espraiou para uma nova consciência coletiva, por meio da qual as mulheres merecem o respeito, a admiração, o carinho e oportunidades”, pontuou. Presidente da Comissão Executiva do Colégio dos Coordenadores de Cevids no Brasil (Cocevid), a magistrada de 2º Grau informou que com um mapeamento inédito produzido pelo Colégio chegou-se à conclusão de que existem 312 grupos reflexivos no solo brasileiro e que há necessidade de capacitar as equipes que atuam neles, uniformizar os procedimentos, bem ainda alimentar com dados e informações precisos os respectivos sistemas das coordenadorias estaduais da mulher em situação de violência doméstica e familiar (Cevid’s).
Mesmo diante de uma concorrida agenda da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), a desembargadora Eva Evangelista fez questão de comparecer ao evento. Em princípio, elogiou a organização da iniciativa, por reunir pessoas da mais alta representatividade do País. Depois, frisou que o Acre é um Estado especial porque foi conquistado pelo sangue na Revolução Acreana há 119 anos – até então o território pertencia à Bolívia. Por fim, a decana da Corte de Justiça citou o líder do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, Martin Luther King: “Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos”.