Atividade foi marcada por reflexões e debates que incluíram a questão de gênero, as mulheres indígenas e a humanização das ações institucionais.
“Este é um momento muito feliz, pois mesmo diante da pandemia podemos nos encontrar neste evento, concebido para conhecermos as atividades de cada um e realizar a troca de saberes, vivências e de conhecimento”. As palavras da desembargadora Eva Evangelista delineiam o objetivo do talk show “Os avanços e desafios da Rede de Proteção à Mulher em 15 anos da Lei Maria da Penha”.
Com representantes das instituições, a atividade também reuniu com ampla adesão magistrados, magistradas, servidores, servidoras, integrantes da Rede, comunidade jurídica e acadêmicos. Destaque para as funções essenciais da Justiça – Ministério Público Estadual, Defensoria Pública do Estado e OAB-Seccional Acre -, além de órgãos do Estado.
Abertura
À frente Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), a desembargadora Eva Evangelista foi quem propôs a agenda, no que foi plenamente atendida pela Direção da Escola do Poder Judiciário (Esjud). A atividade teve apoio direto do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC).
A magistrada de 2º Grau, também mediadora do talk show, ressaltou que tanto houve conquistas a partir da Lei Maria da Penha, quanto há desafios a serem vencidos. Mencionou como exemplo dos avanços a Resolução nº 254/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário. O documento considera que é atribuição do poder público desenvolver políticas para garantia dos direitos fundamentais das mulheres nas relações domésticas e familiares, resguardando-as contra práticas de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A desembargadora Regina Ferrari agradeceu pela presença de todos os participantes da atividade, sobre a qual frisou ser uma “memorável ideia promover o diálogo e a união de esforços para combater a problemática”, que assume proporção social e de saúde pública.
No entendimento de cada pessoa tem de fazer sua parte, a diretora da Esjud lembrou que “a paz começa dentro de nós e se irradia para a sociedade”.
As palestras
A juíza de Direito Andréa Brito discorreu sobre o tema a partir de sua vivência na Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma), da qual é titular e, em especial, as audiências de custódia. Expressou que devido à riqueza de contribuições, o evento constitui uma “rica formação”.
A magistrada traçou um panorama histórico, político e jurídico e apontou que a temática requer uma abordagem interdisciplinar. Apontou que é necessário “maior rigor na luta ética por um mundo sem violência e violações de gênero”.
Citou um exemplo de que como as mulheres aprisionadas sofrem pela desigualdade de tratamento e pela invisibilidade. “O presídio feminino de Rio Branco conta com 255 mulheres privadas de liberdade, apenas 20 delas recebem visitas de companheiros. Já os homens são 3.425, dos quais 2.740 recebem visitas, o que corresponde a 80%”, explicou.
Tive oportunidade de trabalhar nessa área, tanto na Capital, quanto no interior, antes e depois da Lei Maria da Penha.
Um novo olhar
Delegado diretor do Departamento Técnico-Pericial do Estado, Alex Cavalcante salientou que por força de uma série de circunstâncias, as mulheres são envoltas em crimes, especialmente o tráfico. Nesse sentido, muitas vezes são influenciadas pelos próprios companheiros a levar droga para o presídio.
Segundo ele, “o Estado não pode ficar apenas com o olhar convencional, repressivo, mas tem de ser mais cuidadoso e humano”.
Considerou que a Lei Maria da Penha tem “virtudes”, sendo a principal delas a integração institucional. “O trabalho em Rede demonstra que juntos somos mais fortes”, enfatizou. Apesar de que para o profissional a estrutura ainda não é ideal, houve otimização dos fluxos de tramitação dos inquéritos, melhor monitoramento e avaliação periódica dos trabalhos”.
Mais avanços
Carla Fabíola alegou que o dispositivo legal propiciou avanços para ordenamento jurídico. “O que se percebe é que a maioria das vítimas não vinha à delegacia. Porém, com as Medidas Protetivas de Urgência (MPU’s), isso mudou bastante, pois agora há prisão para os homens que não cumprem as medidas, isso evita novas práticas de violência. Para a delegada ajunta da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), é preciso atuar em duas frentes: prevenção e combate.
Como forma de evitar ou diminuir a revitimização, ela defendeu o formulário de avaliação de risco, o qual uma vez preenchido, permite saber se as vítimas sofreram algum tipo de violência, como tortura, cárcere privado e ameaças.
Isabela Fernandes lamentou o fato de que o Acre é um dos estados campeões no ranking de violência doméstica. Revelou um esforço do Governo do Acre, junto com o Governo Federal, para instalação no Estado da Casa da Mulher Brasileira. Trata-se de um equipamento multidisciplinar que atua com rede de proteção e atendimento humanizado às mulheres que foram vítimas de violência.
“Estamos na fase técnica de projeção, engenharia e arquitetura. Tudo indica que a ordem de serviço seja assinada ainda neste ano, destinada à construção de três dessas casas, em Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Epitaciolândia”, disse a advogada da Diretoria de Políticas para as Mulheres.
Humanização e inclusão indígena
Coordenadora do Rotary Club de Senador Guiomard, Elaine Ruiz explicitou o que e como atua a associação. “Somos uma rede global de líderes comunitários, amigos e vizinhos. Por isso mesmo, não podemos ficar de fora dessa causa. Vemos o mundo como espaço humanitário, de solidariedade, onde as pessoas se unem para promover ações que tragam mudanças importantes e duradouras”, afirmou. “Podemos chamar a atenção para o tema, ajudar na conscientização das pessoas com nossos projetos”, finalizou.
Fala que tocou a todos pela sensibilidade e elevado grau de humanismo foi de Nedina Yawanawa, presidente da Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Rondônia e Sul do Amazonas (Sitoakore).
“Este talk show é uma escola, sou solidária a todos os avanços e desafios colocados. O trabalho da Rede tem tido bons resultados, apesar das dificuldades. Percebo que as mulheres estão mais unidas, incluindo as da Sitoakore, onde temos um trabalho específico voltado para as indígenas”, declarou.
De acordo com a líder, dentre as conquistas dos últimos anos está uma maior aceitação da abordagem nas tribos, o que tem sido favorecido com a realização de palestras e oficinas. “O maior desafio é conscientizar, pois temos a cultura e tradição de nosso povo. Mas temos de tornar visível a existência da Lei e dos direitos gerais, como à terra, à educação, à saúde e ao desenvolvimento”, explicou.
Ao elogiar o trabalho implementado pela desembargadora Eva Evangelista que, por sinal, tem colocado em prática a interiorização das ações da Rede de Proteção à Mulher, Nedina Yawanawa destacou o que não pode ser esquecido. “Não podemos perder de vista o respeito, a valorização e a harmonia. Temos de continuar firmes nessa luta.